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Entenda o que muda na Crimeia após referendo aprovar adesão à Rússia

1,2 milhão de eleitores da Crimeia votaram pela anexação ao país vizinho.Resultado não é reconhecido pela Ucrânia, EUA e União Europeia.

Um referendo realizado neste domingo (17) na Crimeia, uma República Autônoma ucraniana de maioria russa, aprovou com 96,8% dos votos a adesão da região à Federação Russa. O referendo é o ápice de uma escalada de tensão que atinge a região há mais de um mês, com uma escalada militar russa e ucraniana na região gerada após a deposição do presidente ucraniano Viktor Yanukovich.

Apesar da aprovação por absoluta maioria, o referendo não foi reconhecido pela Ucrânianem pela maior parte dos países ocidentais – incluindo a União Europeia e os Estados Unidos, que ameaçaram a Rússia com sanções caso ela siga com a anexação da Crimeia.

Moscou e o Parlamento da Crimeia têm ignorado as declarações internacionais, e seguiram com o processo de reunificação. A Rússia cedeu a Crimeia para a Ucrânia em 1954, quando as duas repúblicas integravam a URSS. Moscou, no entanto, sempre manteve a base de sua frota do Mar Negro no porto local de Sebastopol.

Entenda abaixo o que pode acontecer após o referendo.Qual o papel do governo da Crimeia?O que muda para a população?Qual o papel da Rússia?Quais serão as novas responsabilidades de Moscou?Como a Ucrânia reagiu?Qual a reação do Ocidente?A decisão pode ser contestada?

Qual o papel do governo da Crimeia?Um dia após a realização do referendo, o autoproclamado governo da Crimeia começou a tomar medidas para sua integração com a Rússia. O Parlamento aprovou por unanimidade a anexação aprovada nas urnas, se declarou independente da Ucrânia e também determinou nacionalização de todos os bens do Estado ucraniano em seu território.

O documento aprovado pelo Parlamento em Simferopol afirma que as leis ucranianas não são mais aplicadas na Crimeia e que o governo de Kiev já não tem nenhuma autoridade sobre a península.

O presidente do Parlamento da Crimeia, Volodimir Konstantinov, anunciou a dissolução de todas as unidades militares ucranianas com base na península e indicou que os soldados ucranianos leais a Kiev deverão abandonar a península. Aqueles que quiserem poderão aderir às forças armadas da Crimeia ou da Rússia.

O que muda para a população?O primeiro-ministro da Crimeia, Serguei Axionov, anunciou uma alteração no fuso horário na península em 30 de março, que passará ao horário de Moscou (GMT+4), duas horas antes da hora de Kiev atualmente em vigor.

Anteriormente, Axionov havia anunciado que o período de transição de todas as instituições da Crimeia para a Rússia levaria pelo menos um ano.

O Parlamento anunciou ainda que o rublo é agora a moeda oficial da república separatista da Crimeia, mas a moeda ucraniana, a grivna, poderá ser utilizada até 1º de janeiro de 2016. Entretanto, não foi informado quando o rublo começa a circular na região.

Segundo o jornal “Washington Post”, as autoridades afirmaram que todos os funcionários de serviços e empresas públicas continuarão empregados caso estejam realizando um bom trabalho – e muitos deverão ter aumentos de salário.

Em relação à educação, novos livros escolares devem ser distribuídos, com maior conteúdo dedicado à história russa e sua versão de eventos como a Segunda Guerra Mundial. Segundo autoridades, os nascidos na Crimeia poderiam entrar em universidades russas sem precisar passar por exames de admissão – isso deve ocorrer por pelo menos um ano.

Segundo o jornal, ainda não há detalhes sobre a situação de documentos da população – acredita-se que todos os que são de origem russa e falem o idioma poderão receber passaportes russos. Aqueles que preferirem manter seu passaporte ucraniano não serão forçados a deixar a região, mas não poderão votar em futuras eleições.

A situação dos transportes também permanece indefinida. Há voos da Crimeia para Moscou, Kiev e Istambul, além de um trem que segue para a capital ucraniana. Com a crise e uma possível ruptura com a Ucrânia, não se sabe se os voos e trens serão mantidos.

As leis ucranianas e russas são bastante semelhantes, por isso não deve haver muitas mudanças práticas para a população. Entretanto, bens como casas, carros e outras propriedades terão que ser registrados pelas autoridades russas, assim como certidões de nascimento e casamento.

Qual o papel da Rússia?A decisão final sobre a reunificação é de Moscou – que, no entanto, sempre afirmou que iria “respeitar a decisão” do povo da Crimeia

Para aprovar a lei de anexação da Crimeia, primeiro será enviado ao presidente russo Vladimir Putin o apelo da região para se juntar à Rússia. Se aprovado, Putin o passará às câmaras alta e baixa do parlamento, que trabalharão em um tratado para ser assinado entre a Rússia e a Crimeia.

Um período de transição pode ser definido no tratado para que a Crimeia integre os sistemas econômico, financeiro, legal e de crédito do país.

Após a assinatura do tratado, ele deve ser verificado pelo Tribunal Constitucional da Rússia e, então, será votado pelas duas casas do parlamento russo.

Acredita-se que a anexação será feita sem incidentes por parte da Rússia. Putin já se disse favorável ao processo anteriormente, e defendeu em conversas com os líderes ocidentais a legitimidade do referendo e da reintegração.

O governo de Moscou também segue tentando um acordo internacional para que a anexação seja aprovada pelas grandes potências e aceita pela Ucrânia. A Rússia anunciou ter enviado várias propostas à União Europeia e aos Estados Unidos, como a formação de um grupo internacional de “apoio” à Ucrânia para ajudar o país a “sair da crise”.

Quais serão as novas responsabilidades de Moscou?Com a reintegração da Crimeia à Rússia seria necessário transferir o gerenciamento de bancos, serviços e transportes públicos, entre outros, de Kiev para Moscou – uma operação que sem dúvidas será custosa.

Ainda não se sabe como o governo russo irá assumir as responsabilidades ucranianas na região. A Crimeia é totalmente dependente da Ucrânia - tanto economicamente quanto em termos de infraestrutura. Cerca de 90% da água, 80% da energia e 65% do gás utilizados na península são obtidos no restante do país, segundo a rede de TV “CNN”. 

Seu orçamento também é gravemente dependente de Kiev – cerca de 70% dos US$ 1,2 bilhão disponíveis têm origem na Ucrânia.

Segundo a agência “ITAR-Tass”, um sistema especial de impostos pode ser criado na Crimeia.

Como a Ucrânia reagiu?O presidente interino da Ucrânia, Olexander Turchynov, chamou o referendo de grande farsa decidida no Kremlin e pediu a mobilização parcial das tropas para enfrentar a “ingerência da Rússia nos assuntos internos da Ucrânia”, o que foi aprovado pelo Parlamento.

Mais de 40 mil reservistas foram convocados. Os deputados também aprovaram a utilização de 530 milhões de euros para garantir a capacidade de combate das Forças Armadas.

Apesar de a Crimeia ter determinado o desmantelamento das tropas de Kiev em seu território, o ministro ucraniano da Defesa, Igor Teniukh, afirmou que as tropas do país permanecerão na Crimeia.

Qual a reação do Ocidente?Os Estados Unidos e a União Europeia não reconheceram o resultado do referendo, considerado ilegal segundo a Constituição ucraniana e a lei internacional.

Um dia após o pleito, a UE decidiu adotar sanções contra personalidades consideradas responsáveis pela organização do referendo. Foram determinadas restrições de viagem e bloqueio de bens contra 21 pessoas da Ucrânia e da Rússia.

Os Estados Unidos também anunciaram sanções contra sete altos funcionários do governo de Moscou e quatro ucranianos, entre eles o deposto presidente Viktor Yanukovich.No dia do referendo, o presidente dos EUA, Barack Obama, disse a Putin que não reconheceria o resultado e que os EUA estão preparados para aplicar sanções a Moscou.

A Casa Branca ameaçou cortar o acesso de corporações russas ao sistema financeiro ocidental - medida que pode afetar os mercados internacionais.

A decisão pode ser contestada?Segundo os dados oficiais, o referendo teve 96,77% de apoio à integração, com 81% de participação dos eleitores.

Opositores do governo russo acusam Moscou de ter pressionado a população da Crimeia para votar pela anexação à Rússia. Também houve reclamações de que as cédulas de votação não tinham como opção manter a situação da Crimeia como a atual, sem mudanças.

Uma fonte oficial sênior dos EUA disse à Reuters que há evidências concretas que algumas cédulas de votação chegaram pré-marcadas aos locais de votação do referendo no domingo, e que outras anormalidades também foram detectadas.

Os cidadãos de origem étnica russa formam 58% da população da região da Crimeia. Entre 12% e 15% são tártaros, um minoria muçulmana; o restante é de origem ucraniana.

Além dos ucranianos que disseram preferir ficar sob o governo de Kiev, os tártaros também insistem em permanecer como parte da Ucrânia e se dizem preocupados com seu destino se forem obrigados a se integrar a um novo país. A minoria foi deportada em massa por Joseph Stalin para a Sibéria e Ásia Central, mas começou a voltar durante os últimos anos de Guerra Fria.

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