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Ministro do STF vota a favor de recurso da Defensoria Pública de MS que requer indenização a presos por condições degradantes

Um recurso extraordinário ajuizado pela Defensoria Pública de MS começou a ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nessa quarta-feira (3/12) e recebeu destaque na imprensa nacional.

Conforme entendimento da Defensoria Pública de MS, detentos que cumprem pena em situação degradante devem receber indenização por danos morais pelo Estado. 

O caso é de 2003 e refere-se a um assistido da Defensoria Pública da comarca de Corumbá, município localizado a 352 quilômetros da Capital, que foi condenado a 20 anos de reclusão e cumpria pena em condições insalubres no Estabelecimento Penal do Município.

Na época, a Defensoria Pública ajuizou a mesma ação para outros 268 presos do estabelecimento por entender que todos sofriam violação dos mais elementares direitos garantidos na Lei de Execução Penal e pelas Regras Mínimas elaboradas pelas Nações Unidas.

As 269 ações receberam atuação dos Defensores Públicos Paulo Andre Defante, atual Defensor Público-Geral de MS; Fábio Rogério Rombi, hoje coordenador do Núcleo de Ações Institucionais e Estratégicas (NAE); e Paulo Dinis Martins Brum, titular da 11ª DPE, da comarca de Campo Grande.

O texto denunciava a calamidade do Estabelecimento Penal de Corumbá que, com capacidade para abrigar 130 presos, estava com 393. O excesso de 263 indivíduos caracterizava uma superpopulação carcerária.

Conforme é detalhado pelos Defensores Públicos, esse cenário degradante fomentava o desenvolvimento e a manutenção de riscos diversos para a população carcerária e também aos trabalhadores do local.

Por causa dessa superpopulação e pelos temores que dela resultam, muitas vezes os presos se vêem obrigados a confeccionar e possuir instrumentos ofensivos - que servem mais para se defender e garantir sua vida e intimidade do que para atacar alguém ou se rebelar.

A conjuntura tornava-se ainda mais perigosa com o registro de que presos que aguardavam julgamento eram colocados no mesmo ambiente dos que cumpriam pena. Além de não haver separação acerca da periculosidade inerente aos diversificados sujeitos, esse indesejável mix importa em submissão dos novatos ou dos menos agressivos aos dominadores, quase sempre presos de maior envergadura criminosa, consagrando-se a indesejável pecha de Escola do Crime e Fábrica de Marginais.

A ausência de espaço mínimo para o trabalho e educação associada à umidade, à falta de ar e água, além das condições subumanas de higiene que compunham o ambiente das celas, propiciavam o surgimento de doenças de pele, do aparelho respiratório, estômago e as sexualmente transmissíveis.

Quando a prisão deveria ter como escopo a ressocialização do condenado, com a criação pelo Estado de condições propícias de práticas sociais semelhantes àquelas exercidas por detrás dos muros, a conjuntura demonstra que a vida na unidade prisional é fonte de diferentes, mas significativas experiências que moldarão, para pior, a conduta dos que se lhe submetem.

Diante da falta de qualquer parâmetro de motivação positiva, o interno, de acordo com os Defensores Públicos, é compelido pelo sistema prisional do Estado de Mato Grosso do Sul, na prática, a continuar como é ou a piorar seu comportamento e a sua personalidade já que, submetido ao ilegal e excessivo sofrimento, torna-se mais cruel e revoltado.

Trâmite

O caso em julgamento pelo STF teve a ação inicial impetrada, em 2003, pelo Defensor Público Paulo Andre Defante, atual Defensor Público-Geral de MS.

No ano de 2006, em nova distribuição, o caso recebeu atuação da Defensora Pública Milene Cristina Galvão, que ajuizou apelação no Tribunal de Justiça de MS, onde recebeu parecer desfavorável do relator do processo, desembargador Hamilton Carli, mas entendimento favorável do revisor, desembargador Oswaldo Rodrigues de Melo.

O Estado é responsável pela construção e administração do sistema penitenciário, especialmente pela boa manutenção e regular funcionamento dos estabelecimentos prisionais, cabendo, portanto, observar que, ao exercer o direito de punir e de restringir a liberdade dos indivíduos que transgridem as leis, passa a ter o dever de custódia sobre eles, afirma o desembargador no acórdão, que autorizou a reforma da sentença monocrática.

Apesar do recurso ter sido provido por maioria, posteriormente, conforme a tramitação do processo, o pedido de indenização por danos morais foi negado.

O fato do Tribunal de Justiça de MS ter reconhecido as condições degradantes vivenciadas pelo detento de Corumbá, mas não autorizar o pagamento da indenização motivou, assim, a Defensoria Pública a interpor um Recurso Extraordinário (RE-580252), no Supremo Tribunal Federal, contra o acórdão do TJ-MS.

No RE, o Defensor Público de 2ª Instância Almir Silva Paixão sustenta a presença de repercussão geral e pontua que a decisão recorrida “violou os incisos III e X do art. 5º, bem como o § 6º do art. 37 da Constituição Federal”.

“A responsabilidade do Estado é objetiva. A omissão estatal causa ao assistido sofrimento incomparável com a pena que vem cumprindo. Não se pode admitir a aplicação da teoria da reserva do possível por revelar-se dever do ente público construir novos presídios, com condições dignas de sobrevivência”.  

STF

O STF recebeu o RE em 2008 e no ano de 2011 votou a favor da repercussão geral da questão suscitada pela Defensoria Pública de MS, a de que o Estado deve ser responsabilizado pelos danos morais que ocorrem nas prisões devido à superlotação carcerária.

Durante a audiência inicial no STF, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul reconheceu as péssimas condições do estabelecimento penal de Corumbá, no entanto, afirmou que a indenização não seria razoável porque comprometeria recursos que deveriam ser utilizados para melhorar o sistema penitenciário.

Porém, na avaliação do relator do processo, ministro Teori Zavascki, não há controvérsia quanto à configuração do dano moral, tendo citado, inclusive, o acórdão do TJ-MS.

Registre-se, inicialmente, que não há, aqui, qualquer controvérsia a respeito dos fatos da causa, nem quanto à configuração do dano moral, cuja existência é reconhecida. O próprio acórdão recorrido deixa expresso que é notório que a situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense tem lesado direitos fundamentais seus, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e integridade psíquica (fl. 11). Realmente, em todos os atos decisórios do processo, sem exceção, está reconhecida a absoluta precariedade das condições carcerárias do estabelecimento penal de Corumbá/MS.

Em seguida, o ministro destacou a responsabilização do Estado pelos danos morais que ocorrem nas prisões, devido à superlotação carcerária.

Não há dúvida de que o Estado é responsável pela guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento, enquanto ali permanecerem detidas. E é dever do Estado mantê-las em condições carcerárias com mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o caso, ressarcir os danos que daí decorrerem. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em mais de uma oportunidade, deixou assentada a responsabilidade objetiva do Estado pela integridade física e psíquica daqueles que estão sob sua custódia.

O relator também pontuou que violações aos direitos fundamentais dos presos não podem ser desconsideradas sob o argumento de que a indenização não resolve o problema global das más condições do sistema prisional.

“Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios”.

Enfatizou, ainda, que a invocação seletiva de razões de estado para negar o direito à integridade física e moral, especificamente, a determinada categoria de sujeitos, não é compatível com o sentido e o alcance do princípio da jurisdição.

Acolhidas essas razões, estar-se-ia recusando aos detentos os mecanismos de reparação judicial dos danos sofridos, deixando-os a descoberto de qualquer proteção estatal, numa condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa.

O ministro Gilmar Mender acompanhou o voto do relator Teori Zavascki. O julgamento, levado ao Plenário da corte nessa quarta-feira (3/12), foi suspenso após pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.

Defensor-Geral

Para o Defensor Público-Geral de MS, Paulo Andre Defante, o julgamento oportuniza a discussão sobre as condições dos presídios.

Os investimentos no sistema carcerário ainda são tímidos perto da complexa realidade em que vivem milhares de presos no Brasil e, em especial, nossos assistidos do Estado de Mato Grosso do Sul. O julgamento proporciona um importante momento para o debate e reflexão, pois a decisão irá repercutir em tribunais de todo o País. Como foi possível acompanhar, mesmo diante do pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, os ministros criticaram abertamente as calamidades registradas no sistema carcerário brasileiro.

O Defensor Público-Geral lamentou o fato da Instituição ainda não possuir representação no Distrito Federal.

O julgamento desse processo evidencia a necessidade de termos uma representação atuante em Brasília, para acompanhar os processos da Defensoria Pública de MS no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, bem como realizar sustentação oral e propor eventuais recursos. Existe a proposta de instalarmos um escritório na capital federal para o próximo ano.

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