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Preso conclui ensino superior no regime fechado em Campo Grande

Cerimônia de colação de grau ocorreu no Instituto Penal da capital (IPCG).Interno pagou mensalidades com remuneração de trabalho no presídio.

(Foto: Gabriela Pavão/ G1 MS)
(Foto: Gabriela Pavão/ G1 MS)

Condenado a 34 anos de prisão, José Carlos de Santana Junior, de 28 anos, interno do Instituto Penal de Campo Grande (IPCG) há sete anos, vestiu beca e capelo para receber o diploma de bacharel em processos gerais na terça-feira (16).

Após dois anos de estudo, ele concluiu o ensino superior e se tornou o primeiro preso de Mato Grosso do Sul a se formar em um curso a distância durante cumprimento de pena no regime fechado, de acordo com a chefe da Divisão de Assistência Educacional da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), Elaine Arima Xavier Castro. O ensino a distância no regime fechado começou há três anos no estado.

Entrei aqui em 2007 e só tinha ensino fundamental. Em 2008, conclui o ensino médio aqui na escola [do presídio]. Quando surgiu a oportunidade, comecei a faculdade e agora terminei. E não quero parar por aqui. O estudo ocupa o tempo ocioso, afirmou ao G1. Ele pagou as mensalidades da faculdade com a remuneração que ganha trabalhando no presídio e teve também a ajuda financeira da família.

A cerimônia de colação de grau foi realizada no pátio do presídio onde o interno cumpre pena, depois da formatura de outros 15 alunos internos dos ensinos fundamental e médio da escola estadual Polo Professora Regina Lúcia Anffe Nunes Betine. A mãe e a irmã de José Carlos estavam presentes.

Seguindo o protocolo oficial, representantes da universidade estiveram presentes e declararam a abertura da cerimônia de José Carlos.

Em seguida, o formando foi chamado para fazer o juramento tradicional e assinou o documento de colação de grau. Nas primeiras palavras do discurso, José Carlos agradeceu o apoio da família, dos professores e da direção do presídio.

Hoje é um momento de celebração. Agradeço a Deus, a minha família pelo apoio de sempre. Desde o início da prisão enfrentei algumas montanhas, mas tinha que mudar minha condição de vida, então era a hora de mudar, afirmou.

ChanceSegundo José Carlos, a oportunidade de estudar dentro da cadeia foi resultado da vontade dos próprios internos e da parceria com uma universidade particular de Campo Grande.

Era um desejo que a gente sempre teve. Na época não tinha ensino superior, não tinha parceria com faculdade, não tinha como fazer, era só o EJA [Educação para Jovens e Adultos]. Em contato com a direção da unidade, com iniciativa deles de buscar e da universidade de ser parceira, surgiu a oportunidade, ressaltou.

José Carlos também lembra que recebeu apoio da família ao contar sobre os planos de fazer faculdade. As irmãs dele também concluíram ensino superior. Quando a gente vai preso, a família fica presa junto. Então o sofrimento é de todos. Por isso minha alegria aqui também é da minha família. Minha mãe está toda feliz [com a formatura], afirmou.

ReferênciaO tempo no regime fechado despertou nele uma vontade de estudar que não existia quando estava em liberdade. E eu não era um aluno muito assíduo lá fora [do presídio]. Só que a gente percebe a necessidade de estudo e a família também sabe que é importante. A vida vai te cobrando, o tempo vai passando, e você se pergunta o que vai ser do seu futuro, refletiu.

Por ser o primeiro a se formar, José Carlos se tornou referência entre os colegas de presídio. Além dele, atualmente oito alunos também fazem cursos superior a distância. As aulas são três vezes por semana, duas horas do dia, em uma sala de informática no Instituto Penal. O acesso aos módulos é virtual e monitorado pelo setor de educação do presídio.

Segundo o diretor da unidade, Fúvio da Silva, a expectativa é que outros presos se espelhem no exemplo de José Carlos. Esperamos que mais internos se formem no ensino superior e que mais colações de grau como essa aconteçam daqui para frente, ressaltou.

Envolvido com os estudos, José Carlos também passou a ser o interno responsável pelo setor de educação da unidade e pela biblioteca, além de desempenhar tarefas de controle de listagem de alunos, estoque de merenda, material, sempre com a supervisão de agentes do local.

DisciplinaCursar faculdade a distância requer autodisciplina, força de vontade e traz benefícios tanto para os próprios internos estudantes, quanto para a unidade prisional, segundo o diretor-adjunto do Instituto Penal, Aud de Oliveira Chaves.

Ele afirmou ao G1 que a possibilidade de estudar ajuda também no comportamento dos presos.

Há três anos temos essa parceria de faculdade a distância e percebemos o quanto essa oportunidade ajuda no comportamento e disciplina dos presos. Eles ocupam o tempo e também se policiam para não cometer nenhuma falta de disciplina, porque podem perder o direito de estudar, explicou Aud.

FamíliaA mãe de José Carlos, de 52 anos, que pediu para ter a identidade preservada, ficou emocionada diversas vezes durante a colação de grau do filho. Ao lado de uma das filhas, de 32 anos, a mãe disse que vê o estudo como forma de ressocializar o interno.

Acho que ajuda a ter menos preconceito, a quebrar barreiras. Tenho muito orgulho dele ter estudado, se formado. Sempre apoiei, porque família está do lado sempre, ressaltou.

A irmã de José Carlos, que também pediu para ter o nome preservado, disse que a oportunidade de estudar faz o próprio interno acreditar que pode mudar de vida. Aqui dentro ele aprende a fazer escolhas boas. É importante tanto dentro do sistema prisional quanto fora também. Porque quando eles saírem estarão melhores do que entraram. A unidade recebeu uma pessoa sem estudo e vai devolver para a sociedade um indivíduo com estudo, que pode transformar a vida, afirmou.

FuturoPara 2015, José Carlos já tem planos para continuar os estudos. O objetivo agora é cursar uma pós-graduação relacionada à área do curso superior. Gosto de citar uma frase do Nelson Mandela que diz que não existe lugar pequeno demais para que uma pessoa não possa crescer. E é verdade. O controle emocional é a chave da mente, ponderou.

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