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Mesmo cego, ele aprendeu um novo ofício depois dos 70 e ganha a vida no tato

(Foto: Cleber Gellio)
(Foto: Cleber Gellio)

Na rua 11 de Setembro, região do bairro São Bento, uma casa simpática, bem característica de avós. Portão baixinho, jardim à frente e no pergolado coberto de flores, uma placa anunciando um serviço não muito comum em Campo Grande. “Fabrica-se e conserta-se rede”.

Para entrar é só bater palma. Mas não precisa nem esperar, o casal está fazendo a propaganda do negócio, deitados na rede na varanda, ao som de um radinho ligado na AM. Porque FM é para jovem, responde o dono da casa.

Aos 84 anos, ‘seo’ Mário Venâncio Nantes conserta e fabrica redes. No primeiro contato ele já revela “não enxergo, mas vou trançando. Eu faço o punho e ela costura na máquina”, aponta para a esposa, Vaudília Lopes Nantes, também de 84 anos.

Um glaucoma foi lhe tirando a visão ao longo dos últimos 20 anos. E da profissão de carpinteiro e pedreiro em fazenda, ele passou a sentar na cadeira de marceneiro e trançar as alças que dão sustento ao balanço da rede.

Há 60 anos ele mora na mesma casa. Desde que tirou dona Vaudília da Enfermagem e a levou para trabalhar na terra. Nascido na região do Capão Seco, próximo a Sidrolândia, ele passou 22 anos da vida trabalhando para o mesmo patrão. “Américo Inácio de Souza”, diz. O nome ele faz questão de citar.

Quando ainda enxergava pela vista esquerda, porque a vizinha já havia escurecido, ele começou as primeiras trançadas. Chegou a operar em São Paulo, mas não adiantou. Aposentado pela doença, porque por idade, já podia desfrutar de não fazer nada há muito tempo, de 10 anos para cá é que ‘seo’ Mário começou a lidar com o “troço de rede”, como nomeia.

“E eu gosto né. De ficar na rede. Essa minha é dia e noite, quando não sou eu, é ela que estava deitada”, e se volta novamente para a esposa. Talvez pela convivência de mais de seis décadas ou por enxergar com o coração é que ele saiba, sem ver nada, em que direção dona Vaudília está sentada.

Sobre o aprendizado na rede, ele fala que foi uma coisa simples, fruto das atividades que sempre realizou na vida. “Tinha um punho arrebentado e eu ia logo fazendo, arrumando. Estou fazendo até hoje. Se eu vendo? Barato, mas vendo”, afirma.

Aos poucos o povo foi trazendo uma, duas... E de consertos, o serviço virou passatempo.

“Para trocar punho é R$ 40, mas quando as alças estragam, cobro R$ 50. Dá mais trabalho, porque tem que desmanchar tudo, mas a rede fica nova. Ponho bem puxada para não arrebentar não”, garante.

O trabalho é feito todo no tato. Ele senta na cadeira de marceneiro e traz às pernas um pedaço de caibro. Um prego de cada lado e o movimentar das mãos, desenham as tranças que compõem a rede.

“A gente faz e já tem prática, Mas é chato, um trabalho difícil, tudo na mão. Sem ver nada. Quando eu estou parado, estou fazendo cordão”. É que nem a idade nem a perda da visão lhe tiraram a vontade de se ocupar.

“Eu não conheço quem faça rede aqui e nem uma pessoa que inventou de consertar, de fazer isso que eu faço. É um passatempo, porque dinheiro não ganha não” e já emenda uma risada.

As redes saem a R$ 70 e dentro dos padrões, medem 2,5m de comprimento e 1,5m de largura.

Papo vai, papo vem, o ‘seo’ Mário é tão animado que a gente se esquece da visão. “Tem gente que perde e fica doente. Mas de acordo com a natureza a gente vai se inventando. Se é vontade de Deus, você não vai contrariar não é? A minha vida foi boa, vida de pobre, mas vida boa. Com saúde”, finaliza.

A placa de “fabrica-se e conserta-se rede” está na rua 11 de Setembro, 140. O telefone do ‘seo’ Mário é o 3325-1225. Ele atende de prontidão. O aparelho carrega feito celular, no bolso da camisa.

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