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Dieta paleo, a dieta da idade das cavernas

A dieta paleo, que aposta no consumo de proteína em vez de hidratos de carbono, continua a ter milhares de seguidores. Que modelo é este, quais os benefícios e riscos para a saúde?

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Ao contrário da dieta mediterrânica que dá destaque aos cereais e hidratos de carbono, a paleo retira-os

O exercício começa por tentar imaginar que recuamos dois milhões de anos e aterramos no Paleolítico, antes da descoberta da agricultura. “Como era a alimentação naquele tempo? Que alimentos estavam disponíveis para o homem? Qual a frequência diária de refeições?” Se a imaginação não chegar tão longe, a alternativa é pensar nas gerações anteriores. “Os nossos avós ou bisavós não comiam cereais de manhã, comiam sopa e a principal refeição do dia era à tarde”, assinala Francisco Silva, fundador do Paleo XXI, grupo que segue um modelo adaptado da original dieta do paleolítico e que conta com 450 mil seguidores nas redes sociais.

Mas, afinal, que modelo alimentar é este que dá uma volta na tradicional roda dos alimentos, descarta tudo o que é cereais e não põe travões ao consumo de carne? Que benefícios e que riscos para a saúde?

Muito divulgada em Portugal nos últimos anos, a paleo é mais do que uma dieta porque subsiste no tempo para lá da concretização do objetivo da perda de peso, é um “estilo de vida”, resume o responsável por aquele que será um dos maiores grupos de orientação paleo no Mundo. Criado em 2014, o Paleo XXI é um modelo adaptado da dieta do paleolítico do norte-americano Loren Cordain, muito restritivo e pouco flexível. O grupo português – que já tem braços no Reino Unido, Luxemburgo, França, Suíça e Macau – segue o modelo Primal, de Mark Sisson, que, na prática, pega na dieta do paleolítico original e adapta-a aos hábitos do Mundo moderno. “Por norma, quando os nutricionistas falam da dieta do paleolítico referem-se à dieta original, totalmente restritiva, por isso, há tantas críticas”, explica Francisco.

Além das alterações alimentares, o conceito paleo passa também por dar mais atenção aos processos naturais do corpo. “Digo muitas vezes que sentir fome é saudável, passar fome é que não. Hoje em dia, comemos para não ter fome e estamos permanentemente em processo digestivo, isso não é natural”, refere Francisco Silva.

Ao contrário da dieta mediterrânica que dá destaque aos cereais e hidratos de carbono, a paleo retira-os. Mas, neste processo de “reeducação alimentar”, como lhe chama Francisco, não há proibições. Há alimentos a evitar, de uso frequente e zonas cinzentas, com produtos admitidos em função do objetivo e das limitações do consumidor [ler ao lado]. A tónica está no consumo de proteína animal – carne, peixe e ovos – e de todo o tipo de legumes e frutas, procurando sempre boas origens, preferindo o frango criado no campo, os animais de pasto, os legumes e frutas biológicos.

De fora, ficam todos os produtos alimentares que contêm glúten e derivados, como o pão e os cereais, por se entender que esta é uma proteína inflamatória; os alimentos ultraprocessados (salsichas, fiambre, margarina, bolachas, batatas fritas, entre outros) e o uso de óleos derivados de grãos, leguminosas e sementes (girassol), assim como a soja. Os laticínios (exceto o leite) e as leguminosas entram na zona cinzenta: não fazem parte da dieta original, mas admite-se o seu consumo moderado, se não houver intolerâncias e outras complicações. “Quando as restrições são grandes, consideramos que deve haver acompanhamento de um nutricionista e fazemos esse encaminhamento”, especifica o responsável, que tem formação em Geologia, trabalha na área do Ambiente e entrou no mundo paleo pela “curiosidade”.

Mal-estar foi gatilho para aderir

Em 2015, Inácia Caeiro, hoje com 60 anos, sentiu a vida a andar para trás. Tinha peso a mais, hérnias discais, muita asma, uma doença reumatológica e outra associada a tromboses. As filhas já tinham aderido à filosofia paleo e desafiaram-na a evitar o pão. “Sou alentejana, recusava-me a deixar o pão”, conta, rindo. Mas a saúde foi-se deteriorando e o mal-estar serviu de gatilho. “Decidi arriscar um mês, depois dois, três, até que cheguei ao verão e estranhei ir no carro com o ar condicionado ligado e não ter logo um ataque de asma.” Depois, decidiu lavar o escritório com lixívia pura – antes era receita certa para ir parar à urgência – e nada aconteceu. “Nunca mais comi pão”, diz. A seguir, riscou o açúcar e todo o glúten do cardápio alimentar. Aos poucos, foi reduzindo a medicação e hoje toma “apenas um comprimido e meio por dia para o sangue”. A perda de peso “foi um bónus”, os ganhos de saúde foram muito mais importantes, garante Inácia. Com o marido idem aspas. José Ruivo era hipertenso, tinha colesterol elevado, ácido úrico, fígado gordo… e passou a ter todos os níveis controlados. “O médico diz-lhe: ‘não sei o que anda a fazer, mas continue’”, realça Inácia.

Incoerências e riscos das restrições

Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Fernando Pichel, nutricionista do Serviço de Nutrição do Centro Hospitalar e Universitário do Porto, prefere o padrão alimentar mediterrânico ou as dietas que tenham esta base, porque é aqui que a evidência científica é mais sólida. A liberdade total no consumo de carne deixa muitas dúvidas ao clínico porque a ciência relaciona a ingestão em excesso deste alimento com as doenças cardiovasculares. As restrições nos cereais e nas leguminosas também não fazem sentido. Consciente de que há muitas variantes da paleo, o nutricionista aponta algumas incoerências: a recomendação de ingerir hortícolas em cru – defendida por algumas correntes – dificulta a digestão; a escolha por animais de pasto é uma opção saudável, mas difícil de concretizar para todos, e ainda mais se o consumo for sem limites, como defende a paleo; consumir mais proteína para ter hidratos de carbono e, consequentemente energia, “é incongruente” quando há alimentos como o pão, os cereais, os tubérculos, frutas e legumes que contêm hidratos de carbono e são mais baratos do que a carne.

Ao consultório de Fernando Pichel, chegam muitos doentes com pedidos de “dietas da moda”, as mais recentes centradas na restrição de hidratos de carbono (dietas cetogénicas) e no jejum intermitente. Tal como na paleo, em quase todas há benefícios e riscos. “Os desequilíbrios nutricionais que daí advêm e que podem desencadear doenças são os maiores riscos”, assegura, defendendo que “é a complementaridade e a variedade dos alimentos que vão garantir que as necessidades são satisfeitas”.

Dieta paleo

Alimentos a evitar

De uma forma geral, tudo o que é processado ou ultraprocessado é para evitar. No capítulo dos açúcares processados, esquecer os refrigerantes, doces comprados, sumos de fruta, bebidas energéticas, cereais de pequeno-almoço, bolos e outros produtos de pastelaria e gelados. Os óleos derivados de grãos (canola, milho), leguminosas (soja, amendoim) e sementes (girassol), especialmente os não forem de pressão a frio, são também de evitar. As margarinas devem ficar na prateleira do supermercado, a melhor opção é sempre manteiga. Para a dieta paleo, os derivados do trigo (todos os tipos de pão e massa), o milho, o centeio, a cevada, a espelta e a soja também devem ficar fora do prato.

Recomendados

Todas as carnes, peixes e frutos do mar. As conservas de atum, sardinha e cavala, desde que conservados em azeite de qualidade. Os ovos, de preferência de galinhas criadas ao ar livre e alimentadas no solo. Todos os legumes, frutos e frutos secos são recomendados na dieta paleo.

Zona cinzenta

A dieta paleolítica, na sua versão original, não contém laticínios. Mas o modelo Paleo XXI admite que os derivados, nomeadamente os produtos fermentados (queijo, iogurte natural com gordura, coalhada, manteiga) e os ricos em gordura (preferencialmente com mais de 40% de gordura, como a nata e a manteiga) podem ser aliados em fases iniciais e consumidos, moderadamente, por aqueles que não apresentam intolerância ou não têm situações de autoimunidade.

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